quinta-feira, 14 de outubro de 2010

por que parar e observar...


POR QUE PARAR E OBSERVAR UMA OBRA DE ARTE?
O QUE ACONTECE QUANDO FAZEMOS ISSO?
ELIANA MIRANZI –OUT/2010
Parece que ao observar uma verdadeira obra de arte passo a sentir o mesmo que o criador da obra sentiu ao criá-la. Algo intenso se move em mim. Por quê? Como?
Há no criador/artista, a necessidade de se expressar, e esta necessidade não pode ser ignorada. A criatividade, a força criativa, é um impulso que se impõe; não há como fugir dele. Quando cria, o artista dá voz ao que estava mudo, mas não morto. Isso gera um diálogo entre consciente e inconsciente, liberando aquilo que está pedindo para ser liberado. O fazer artístico cobra um alto preço: há o período de gestação, que requer introspecção, profundos sentimentos e buscas. O artista sente-se “tomado” pela musa”. Há algo a nascer... o qual, muitas vezes,nem ele próprio conhece.
Após a finalização da obra, faz-se um vazio no interior do artista. Esse vazio continuamente pede, demanda para ser preenchido novamente. Não há mesmo como escapar. É no vazio que se gera...
Os artistas acessam com muito mais facilidade o que não nos parece acessível. Os conteúdos que moram em nosso mais profundo ser. O artista experimenta e consegue exprimir imagens na maioria das vezes muito antigas, muito anteriores a nós. Nossos fundamentos humanos. Nossa essência.
Estes seres criadores então nos presenteiam com o que realizaram, tornando-se assim facilitadores de nossas viagens interiores. Como?
Ao observar, contemplar uma obra uso-a como veículo de transformação; pois a arte pode me transportar para outras realidades, fazer-me ver além do obviamente visível. Sair do meu “pequeno eu” e ser capaz de ir ao encontro de meu “grande eu”.
O olhar do observador é atingido ou capturado pela obra e seu conteúdo; e ele a traduz segundo suas vivências e experiências, reconhecendo algo de seu próprio olhar, de seu próprio ser, na tela. (quando se trata da pintura, por ex.). Algo que está guardado em seu inconsciente. Lembrando sempre que podem haver leituras variadas de um mesmo material. Somos únicos, portanto, ricos em espécie.
Somos movidos pela obra; impressionados e impulsionados por ela. A percepção e os sentimentos inflam. Ficamos emocionalmente mexidos, mobilizados. Talvez aquilo que se passou com o artista, agora se passa em nós: materiais do inconsciente afloram. Passamos a contar com mais uma condição de voltar nosso olhar para dentro de nós mesmos, buscando o autoconhecimento, percebendo-nos com mais clareza. Podemos nos ver de fato. Quanto mais nos conhecemos, mais compaixão podemos ter em relação a nós mesmos, mais nos apreciamos, aumentando nossa autoconfiança e auto-estima.
Porém, é preciso um tempo de maturação, uma pausa para o que está no fundo poder vir à tona. Quando todo o processo acontece, sentimos um estado de leveza, purificação. No artista, o vazio; em nós, menos peso, deleite. No artista a urgência de se exprimir; em nós, a satisfação trazida pela identificação com a obra.
A arte pode também nos perturbar, descontrolar; como fez com o artista durante seu período de gestação. Nós podemos fugir dessa perturbação, enquanto ainda estivermos do “lado de fora”. Ou seja, quando ainda não tivermos sido “laçados”. O artista não tem como fugir; além de se perturbar em grau muito mais elevado. É cativo de si mesmo, não como indivíduo, mas, segundo Adriana Ferreira, “cativo do impulso de dar âncora ao que se move no seu inconsciente ou na sua percepção”, ao mesmo tempo em que experimenta a mais sublime libertação.
A arte, esta misteriosa e magnífica senhora, pode trazer o êxtase ou a exaustão. Pólos opostos são ativados. Ela alarga nossos horizontes, amplia nosso olhar, ou nos cega, dependendo de que lado estamos: dentro ou fora dela?...

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