domingo, 31 de julho de 2011


ESCULTURA DE SANDRA GUINLE - BRASIL-

ENTREVISTA DE STANLEY KELEMAN
Stanley Keleman diz quem é e o que pensa
Insight – O senhor poderia nos falar um pouco de sua técnica e como iniciaram
seus interessas e o desenvolvimento de sua teoria?
Mr. Keleman – Venho praticando e desenvolvendo terapia somática por mais de
30 anos, sendo pioneiro no estudo do corpo e suas conexões com os aspectos
sexuais, emocionais, psicológicos e imaginativos da experiência humana. Através
da minha escrita e da minha fala venho desenvolvendo uma metodologia e um
enquadramento conceitual para a vida do corpo.
Meu pai foi sempre um atleta e sempre me levou aos estádios. Muito cedo,
com 12 ou 13 anos – me liguei em futebol, futebol americano e atletismo. Meu pai
era um conhecido jogador de futebol nos Estados Unidos, o que me fez desejar
ser forte, ter um corpo. Meu pai também era órfão e me interessei por doenças, o
ficar doente etc. Tive uma grande família, falávamos o tempo todo sobre as
pessoas e de como fazem seu caminho no mundo.
Nasci na cidade de Nova Iorque – meus pais eram imigrantes da Hungria e
muito pobres. Eles falavam três ou quatro línguas e eu sempre me confundia.
Assim, aprendi a ler antes de ir para a escola, uma vez que meus pais estavam
aprendendo a ler inglês, e eu também aprendi. Antes dos cinco anos já sabia ler;
isso foi muito forte para mim. E, quando quis ir para a escola, e não havia dinheiro,
consegui bolsas contando com minhas habilidades atléticas.
Sempre fui uma pessoa cheia de imagens e palavras, e andava pelas ruas
de Nova Iorque fazendo histórias e músicas para me divertir. Para mim, estas
duas coisas – não saber todas estas línguas, ter uma boa imaginação e tendo de
farejar o que as pessoas na minha família queriam dizer, isso tudo – construiu em
mim uma forte intuição.
Quando me graduei na área das Ciências Biológicas – e comecei a interagir
com as pessoas -, já sabia que “pessoas precisavam ser saudáveis” e que não
sabiam bem como fazer isso. Alguma coisa não estava certa e eu podia ver que
tinha algo a ver com o corpo e com a linguagem. Foi quando tudo começou. A
partir daí, iniciei minha pesquisa. Fui ao Instituto Alfred Adler buscando
psicoterapia pessoal e cursos sobre o pensamento de Adler, e à Escola de
Pesquisa Social ara aprender sobre as práticas sociológicas, onde aprendi
diferentes filosofias. Fiquei envolvido por diferentes psicologias – encontrei
Alexander Lowen, entre outros psicoterapeutas. E comecei a trabalhar com
artistas.
A primeira coisa que compreendi – e eu tive um entendimento um tanto
especial – foi como trabalhar com o estresse. Li o livro de Hans Selye “A síndrome
geral adaptativa”. Sua teoria diz que todas as doenças no começo são a mesma
coisa, e posteriormente dividem-se em coisas especializadas. Problemas
cerebrais, do coração, do sangue, tudo no começo é igual. Assim, entendi algo
muito importante sobre o padrão de estar sob pressão, como o que faz você
adoecer; então entendi meu pai, minha família, e entendi situações em que as
pessoas se encontram, e desenvolvi uma técnica especial que poderia trabalhar
com isso. Uma técnica física. Isso foi em 1959 ou 60.
Insight – Nos conte um pouco sobre esta técnica
Mr. Keleman – O que descobri naquela época foi que uma pessoa ao apresentar
uma doença apresentava também um corpo contraído, fazia um espasmo, e pude
ver como alinhar as pernas e braços pegando em certos lugares e a pessoa
começava a mudar sua sensação. A esta altura, eu já havia passado pelo meu
treinamento em Quiropraxia (nos Estados Unidos, a Quiropraxia é um curso de
Medicina um pouco mais curto, mas é um curso médico universitário), e minha
técnica consistia em trabalhar com os músculos bem suavemente; entendi que há
um reflexo de contração, sem poder desfaze-lo, e se forçarmos o músculo ele
mesmo cria a resposta. È este o padrão que todas as doenças apresentam no
início. É este o diálogo entre o que estressa o corpo e o próprio corpo. Reconheci
que no sistema muscular há uma contração, e se forçar ainda mais esta contração
ela vai tender a se expandir e todo aquele padrão, então se desorganiza. Isso não
tem nada a ver com relaxar, mas com desorganizar padrões de comportamento.
E quando comecei a fazer isso com dançarinos e com cantores, eles
começavam a chorar e a sentir diferentes emoções; aí, eu disse para mim mesmo:
isto não está afetando apenas o corpo, está afetando as emoções. Eu vi que
caminhavam juntos, e que seria melhor eu saber o que é o corpo emocionalmente,
o que o estressava e como trabalhar com isso.
Insight – Neste momento, o senhor já havia se encontrado com Lowen?
Mr. Keleman – Encontrei Lowen (criador da Bioenergética) cerca de um ano após
o desenvolvimento desta técnica, e já contava com boa prática em Nova Iorque –
com cantores da Metropolitan Opera, grandes estrelas da Broadway -, me
tornando bem conhecido por ser capaz de reduzir o estresse e a tensão.
Insight – O senhor era ainda bastante jovem...
Mr. Keleman – Sim, quando me graduei tinha 25 ou 26 anos, e este
desenvolvimento ocorreu antes dos meus trinta anos de idade. Como disse, eu
mesmo era um artista e um atleta – tinha imaginação, sabia pintar, fazia escultura
em pedras. Já contava com grande número de clientes quando as primeiras aulas
de exercícios bioenergéticos começaram no meu estúdio. Comecei a experimentar
isso com grupos de pessoas – primeiro com dançarinos, depois com os pacientes
de Lowen e as pessoas do Gestalt Institute, que costumavam mandar pessoas
para as aulas de exercícios emocionais que eu fazia com os dançarinos.
É importante dizer que aprendi a técnica bioenergética com Lowen, mas
que antes de meu encontro com ele eu já possuía minha própria compreensão e
técnica fisiológica e emocional, que sempre se mantiveram independentemente da
nossa relação.
Então, já com uma grande prática, fui à Europa para ver o que se passava
por lá. Foi quando encontrei Karlfried Durkheim, que havia escrito um livro sobre o
corpo. Quando voltei, estava mais interessado em psicologia e obtive uma bolsa
para retornar ao Dasein Analytic Institute, em Zurique e na Alemanha, trabalhando
corporalmente com muitos clientes.
Antes disso – havia me esquecido -, em 1954 ou 55 encontrei Nina Bull,
que era um destaque da ciência, uma neurofisiologista muito famosa. Eu me tornei
seu assistente de pesquisa para trabalhos sobre a “vida do corpo”, isso antes de
conhecer Lowen. Ela trabalhava no Colégio de Médicos e Cirurgiões da
Universidade de Columbia e, desde então, passei a conviver com ela, até sua
morte, doze anos depois. Ela me deu a mais poderosa educação em neurofisiologia
e sua relação com o comportamento humano; ela se encontrava mais no
campo científico e era interessada em como as pessoas respondiam ao estresse
emocional com um padrão geral de ação ou comportamento muscular. Ela tinha a
teoria para dar conta disto, a “Teoria Atitudinal das Emoções”. Foi, portanto, uma
influência muito importante no meu pensamento sobre as emoções humanas e a
postura corporal humana como comportamentos neuro-musculares.
Em 1967, voltei aos Estados Unidos, e fui viver na Califórnia com toda esta
bagagem. Fui ao Instituto de Esalem, onde me entreguei ao trabalho do primeiro
programa residencial sobre dinâmica de grupo e seu impacto no comportamento.
Continuei ali outros estudos sobre dinâmica de grupo, e meus estudos filosóficos
em Fenomenologia em Peter Koesterbaum, da Universidade de San Jose. Nesse
contato, desenvolvi com Peter as teorias sobre a morte e o medo da morte, que
aparecem num dos meus primeiros livros Living or dying, que escrevi ao mesmo
tempo que The body speaks its mind (“O corpo diz sua mente”). Ao voltar para a
Califórnia, então, encontrei Lowen e comecei a ensinar, também, a Bioenergética
no Instituto de Esalem, mantendo minhas pesquisas em dinâmica de grupo, que
aplica na minha técnica e nos meus estudos filosóficos.
Então, comecei um outro treinamento anatômico e fisiológico com outros
dois amigos da Universidade da Califórnia, em San Diego – Sheldon Hender, PhDMD
e Richardi Wiesman, Phd -, com trabalhos em biologia molecular e neurofisiologia.
Assim, estabeleci as fundações da anatomia emocional.
Naquele momento, ainda, encontrei Joseph Campbell, o mitologista, e
começamos um programa que se extendeu por 14 anos sobre a mitologia e corpo.
E começamos a estabelecer o que seriam as relações mito e corpo, história e
corpo, como o mito e o corpo estão relacionados. Ao mesmo tempo, pesquisei a
relação entre literatura e corpo, como ambos são o mesmo processo, juntamente
com Richard Weisman. O que o corpo mitologicamente, psicologicamente,
filosoficamente.
Insight – O senhor poderia nos explicar um pouco desta relação?
Mr. Keleman – Acabei de escrever um livro sobre isso. É muito simples, porque as
pessoas ao falarem de como agem, de como se comportam – como heróis ou
como covardes, como estando numa jornada -, dizem como usam o corpo, que
tipo de experiências tiveram. Como Aquiles que teve a experiência da depressão e
da traição na batalha de Tróia, o sofrimento por matar seus amigos. São histórias
emocionais e biológicas. Nós tendemos a vê-las como histórias que apenas têm a
ver com a psique, mas elas mostram como o corpo é usado, como as pessoas
morrem e lutam. É assim que literatura e corpo se ligam.
Com Nina Bull, com Karlfried Durkheim e com Heidegger, comecei a
entender que nós não sabemos como falar filosoficamente sobre o corpo, e
comecei minhas pesquisas nas tradições americanas. Voltei a William James,
Whitehead, John Dewey, para buscar a idéia do que seria o corpo como um
processo. William James, por exemplo, compreendia as experiências como
baseadas no corpo.
Em 1959, percebi que o inconsciente de que falavam os psicólogos era o
meu próprio corpo, e tudo o que eu não sabia sobre mim eu não sabia sobre o
meu corpo. E comecei a investigar isto, inicialmente, observando “como eu estou
andando pela rua, como estou erguendo os pés, e baixando-os, e o que estou
sentindo, e como estou fazendo isso...”. Estava em pé – nunca me esquecerei -,
na esquina da Broadway com a Rua 68, e desci da calçada dizendo para mim
mesmo “vou colocar meu pé para baixo, ver como sinto meu peso” e, de repente,
percebi que estava paralisado, não podia fazer nada e os carros estavam vindo.
Por um momento, reconheci que antes que eu pudesse pensar em fazer qualquer
coisa, pulei de volta para a calçada. Percebi que existem duas partes: uma delas
sabe o que fazer, e a outra tenta descobrir como fazer melhor. Estas são as duas
partes do meu próprio corpo e eu não sabia nada a esse respeito. Aí descobri que
estas duas partes, a automática e a voluntária, quando “conversam” uma com a
outra geram o “sentido de si”.
Isto é apenas um apanhado geral da minha vida. Me casei, tive filhos, uma
vida de 25 anos de casado, criei uma família e continuei meu trabalho; reconheci
que para ser um pioneiro há que ser também uma pessoa comum. Para continuar
a ajudar pessoas, pensando e criando metodologias, eu devia saber como amar
alguém e ser amado, ganhar a vida, ter uma família, tudo isso que faz parte da
aventura de se tornar uma pessoa. Ao longo dos anos, comecei a ver – graças ao
meu background científico e filosófico – que a teoria da evolução era a chave para
entender a natureza humana. O que entendo por teoria da evolução é que o
corpo, enquanto Natureza, procura preservar suas respostas bem-sucedidas, e as
transmite culturalmente ou biologicamente para seus filhos, amigos etc. Alguém
que aprende uma ação a ensina para as outras pessoas; assim, transmite
informações de como usar o corpo; as pessoas estão aprendendo a usar seus
corpos através do modo como outras pessoas o usam, Isto, percebi, é o “insight”
de que toda pessoa está aprendendo a usar a si mesma, e cada pessoa sabe algo
sobre como usar a si mesma. E este é um dos sentidos das interações das
pessoas: como continuamente usar a si mesmas, como crianças, adultos, adultos
mais velhos, ou mesmo próximos da morte.
As pessoas querem saber e aprender como usar a si mesmas e a
manejarem suas vidas, e quando fazem isso sentem-se parte da história da
própria raça humana. Então, ao trabalhar intensamente o corpo, percebi que este
não é uma “coisa”, mas um processo, uma série de eventos que podemos
influenciar, que podemos ajudar a ser melhor ou pior; que podemos influenciar,
que podemos ajudar a ser melhor ou pior; que podemos trabalhar com o nosso
próprio processo para seguir crescendo. Então – o que disse muitas vezes -, nós
todos nascemos com um corpo, fazemos ele crescer e, ao final da vida, se as
coisas vão bem, terminamos por devolver esse corpo através da morte, deixamos
ele desmanchar. Estar corporificado, ter a experiência de dentro do próprio corpo,
aprender como morrer, é essa a história da vida humana. E toda a literatura, e
toda a mitologia, tratam de como viver o próprio corpo e como morrer. Todo meu
trabalho é sobre como ter um corpo, como fazer um corpo humano, como interagir
com as pessoas, como ter um “self” interno e como organizar sua própria morte.
Insight – Quais são seus trabalhos atuais, suas preocupações?
Mr. Keleman – Quando estava na Califórnia, as pessoas me pediam para lhes
ensinar; Lowen me pediu para ensinar alguns membros da sua equipe de
Bioenergética. Percebi que não desejava ser um trainer, porque para treinar
pessoas me parece que se deve ser um “policial” – olhar e supervisionar a todos.
Pensei que teria prazer em educar pessoas. Educar pessoas sobre como usar a si
mesmas, sobre idéias, e ver como elas as usam e ajuda-las cada uma da sua
maneira. Decido ensinar pessoas sobre as idéias, como adaptar estas idéias aos
seus próprio talentos; e não fazer pequenos “Stanleys”. Então, atraio pessoas que
possuem seu próprio trabalho, seus próprios treinamentos e querem aprender
como usar melhor a si próprios e como aplicar as idéias aos seu próprios
trabalhos.
Assim, o Center for Energetic Studies, do qual sou diretor, em Berkeley,
Califórnia, é um instituto de ensino para pessoas que querem aprender os
princípios e como aplica-los em suas próprias disciplinas. São psicólogos,
psiquiatras, advogados, líderes de grupos, assistentes sociais, cirurgiões, artistas,
professores; pessoas que já possuem uma formação. Então posso ensina-los,
mostrar como aplicar o treinamento que possuem e utilizar as minhas idéias sobre
o que é o corpo, como o corpo aprende, o que são as emoções, como estar no
mundo diferentemente, como ensinar as pessoas a aprender com suas próprias
experiências, e não ensina-los a fazer algo como uma máquina. Que o ser
humano quer dirigir sua vida, e procura as ferramentas para isso. É isso que
ensino no Centro, além de possuir alguns amigos que ensino ao redor do mundo,
como aqui no Brasil – Regina Favre e Leila Cohn. São terapeutas que já tem seu
trabalho e incorporam a ele essas idéias, mostrando às pessoas que o problema
humano não é que as pessoas estejam doentes – as pessoas não estão doentes,
não precisam fazer as pessoas doentes -; as pessoas querem aprender como
viver e usar a si mesmas para construir suas vidas. Isso é diferente.
Assim, tenho alguns grupos na América do Sul e outros na Alemanha,
Suíça e Inglaterra. São pessoas das mais diversas procedências, terapeutas ou
não, que desejam entender os princípios biológicos da auto-evolução, como viver
uma vida biológica e como lidar com temas como o casamento, o amor, a morte, a
doença, o crescimento, ter um relacionamento.
Insight – Como o senhor vê o mundo moderno e a vida acelerada dos grandes
centros?
Mr. Keleman – Nossa sociedade, fonte de uma evolução gradual, tem se dedicado
a aliviar a miséria, aliviar o sofrimento da pobreza de alimento, aliviar o sofrimento
da dor, aliviar o sofrimento pelas más condições, a universalizar a educação.
Nossa sociedade tem se organizado a si mesma para usar o cérebro para escapar
das situações de doença e miséria.
Vejo nossa sociedade como numa transição, vindo da agricultura, passando
pela era industrial, até o mundo tecnológico, e que a possibilidade de formar e
organizar o próximo estágio da evolução humana que está reconectando e
aprofundando a vida do corpo e suas relações, está nesta transição. Vejo uma
supervalorização do uso da mente e da necessidade de ser eficiente. Mas esta é
uma situação temporária. Tudo que aprendemos fazemos através do exagero;
depois, reintegramos o aprendizado e o graduamos.
Portanto, vejo que a situação do mundo moderno, apesar de criar
problemas com o distanciamento do corpo e a intensificação da vida, ao mesmo
tempo é capaz de prolongar a vida e a fazer mais rica. O que precisa acontecer no
próximo estágio é a reintegração do que entendemos conceitualmente por
corporal, é ter de volta a nossa experiência pessoal. E acho que estamos vendo
isso, está acontecendo: vemos que o mundo menos privilegiado está preocupado
com o quanto forte e mental necessita ser, e o mundo privilegiado está agora
tentando achar formas de se relacionar normalmente com sua família e consigo
mesmo. Vejo aí uma evolução: a psicologia como biologia – não a psicologia como
a estrutura dos eventos mentais, mas a psicologia de criaturas vivas, tentando
construir uma vida -, está “batalhando” para ajudar as pessoas a corporificar sua
experiência ou, então, perderá sua efetividade no mundo.
Aprender a viver com o próprio processo corporal, aprender a usar o corpo
como uma fonte de conhecimento sobre os mistérios da própria vida, é uma
abordagem contemplativa, é construir uma vida interna subjetiva, é construir o
próprio centro de significado e compartilha-lo socialmente. Esta é uma meta muito
rica e poderosa que já está começando a acontecer. Me sinto muito otimista sobre
como a vida está se reformando a si mesma em muitos níveis; e as pessoas
querem isso, elas vêm isso nos filmes, nos livros sobre a riqueza da interação
humana.
Insight – Gostaria que o senhor nos falasse um pouco sobre sua visão das
psicologias no mundo hoje.
Mr. Keleman – Bem, não me sinto a vontade para falar sobre o que as demais
linhas psicológicas querem, ou para onde estão indo. Apenas sei que as pessoas
estão muito infelizes com o rumo atual da psicologia; possuem muito poucas
opções. O fenômeno de crescimento dos cultos está mostrando, de alguma forma,
que a psicologia fracassou na ajuda às pessoas. A Psicologia Formativa diz que o
ser humano está sempre se formando e se moldando com suas experiências
sociais. Neste processo de se moldar forma uma vida, torna-se capaz de formar
uma vida. Ou seja, o ser humano está interessado em como usar, pensar, agir,
traduzir experiências em ações e significados. Não é uma questão da mente fazer
isso, mas de todo o corpo.
O que surge é que a evolução não diz respeito apenas aos princípios gerais
de como organizamos a nós mesmos e transmitimos experiência enquanto
espécie, mas também como pessoas individuais. A Psicologia Formativa é uma
filosofia que diz que o corpo é capaz de moldar suas próprias experiências e que
podemos aprender com o nosso próprio processo corporal a formar nossas vidas
continuamente, e que vivemos mais de uma forma corporal ao longo da nossa
vida. E há regras, sobre as quais falo em meus livros, sobre como usar a si
mesmo, ensinar a si mesmo como amar, como lidar com a raiva, como ajudar a si
mesmo nas depressões, como reorganizar o ciúme, como reconhecer que possui
algum poder sobre sua via. Ensinamos o quanto mal-educado se é e como
educar-se bem. Existe uma maneira de interagir com sua própria vida
formativamente.
Insight – O senhor, também se utiliza muito da informação visual, não é?
Mr. Keleman – A informação que utilizo é a direta experiência com o corpo, a
direta experiência do corpo com os outros corpos. Pessoas assistem outras
pessoas transformarem sonhos e sentimentos em expressões; aprendem por
outras pessoas a usar a si mesmas, de dentro para fora, e podem aprender a
fazer isso através de alguns métodos. Ensino pessoas a incorporar imagens,
fazendo vídeos, e transformando suas imagens visuais em expressões
emocionais. Escrevo livros para que as pessoas possam usar as palavras para se
ajudarem a utilizar seus corpos de uma maneira que valha a pena. Dou palestras
para ajudar as pessoas a verem como utilizo a mim mesmo – dando palestras e
compartilhando as minhas idéias.
Insight – O senhor poderia nos falar um pouco sobre seus livros?
Mr. Keleman – Escrevi cerca de 12 livros. No Brasil, já foram lançados sete deles,
pela editora Summus – “Amor e Vínculos” (que é a soma de dois trabalhos
originais), “O Corpo diz sua mente”, “Anatomia Emocional”, “Corporificando a
experiência”, “Padrões de distress” e “Realidade somática”. Com isso, quero dizer
que há algo no “mundo” brasileiro que ressoa com as idéias formativas. Quando
vim ao Brasil pela segunda vez, as pessoas com quem falei me surpreenderam
pelo nível intelectual sofisticado – foram 500 ou 700 pessoas de quem recebi
perguntas sofisticadas -; senti, ainda, uma vitalidade enorme que não se acha nos
Estados Unidos ou na Europa. No Rio de Janeiro e em São Paulo senti como que
uma onda de força. Senti aqui o que havia sentido no meu país nos anos 60. Senti
algo como que a onda do futuro crescendo aqui.
Gostaria de dizer que o corpo faz um retrato de si mesmo, como ele está;
sabe se está com fome, se quer fazer algo. E a forma como ele faz isso é tirando
um retrato de si mesmo em ação, e põe esta imagem de si mesmo no cérebro.
Então o corpo “faz” um cérebro – que possui sua própria imagem. A imagem no
cérebro e a imagem do próprio corpo têm uma conversa. E a questão sempre é:
como eu atuo no mundo e comigo mesmo? Devo pegar este pedaço de comida ou
é muito perigoso? Então o cérebro “diz”: esta comida, não a coma, há um tigre ali;
espere e se esconda; quando o tigre for embora você comerá. Isto significa que a
mente está dizendo ao corpo “eu vou satisfazer sua fome, mas você deve ...(...)...
mundo”.
Temos, portanto, ações naturais e ações que nos são sugeridas por nós
mesmos sobre como agir. A mesma conversa acontece – estou ficando mais
velho, estou ficando cansado, eu sou jovem em energia, vamos agir rapidamente,
vamos agir vagarosamente. Quando se verifica que esta conversa é sempre
traduzida por como usar os músculos, como usar suas expressões – usando os
músculos fazemos expressões emocionais e de sobrevivência -, esta é uma
linguagem natural sobre como usar a si mesmo, se formar e crescer. Veja que as
pessoas entendem imediatamente e não demora muito tempo para aprenderem.
Mas a coisa importante nesta história é que o corpo, como um processo
que faz uma imagem de si mesmo, é muito concreto. A mente, que faz uma
imagem do corpo, é apenas uma possibilidade. Somos confundidos com a idéia de
que a imagem do corpo imaterial é mais importante que o corpo materializado.
Dizemos que uma fotografia do corpo é mais importante que o corpo; e isso tem
sido um mal-entendido em psicologia e no mundo ocidental em geral. E, se
minhas palavras significam algo, é que a imagem do corpo no cérebro, e a
imagem cerebral do corpo, se designam para fazer um corpo, e não para
desaparecerem numa imagem. E meu trabalho faz isso: traz o corpo como parte
do estar presente no mundo, para si mesmo e para as outras pessoas.
Endereço para correspondência:
Center for Energetic Studies
2045 Francisco Street – Berkeley – California – 94709 – USA
Esta entrevista contou com o apoio de tradução e revisão da Dra. Regina Favre.
Revista Insight – Psicoterapia
Páginas 04 a 09
Fevereio de 1997.

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