sexta-feira, 12 de abril de 2013

POESIA-OCTAVIO PAZ-NOBEL-


 


OCTAVIO PAZ – Pedra de Sol

Amar é combater, se dois se beijam

o mundo é outro, encarnam-se os desejos

o pensamento encarna, brotam asas

no torso curvo de um escravo, o mundo

é real, tangível, o vinho é vinho,

o pão volta a ter gosto, a água é água,

amar é combater, é abrir portas,

deixar de ser fantasma com um número

a uma prisão perpétua condenado

por um amo sem rosto;

o mundo é outro

se dois se olham e se reconhecem,

amar é desnudar-se sem os nomes:

“quero ser tua puta”, são palavras

de Heloísa, mas às leis ele cedeu,

tomou-a por esposa e como prêmio

castraram-no depois;

melhor o crime,

os amantes suicidas, o incesto

dos irmãos que eram como dois espelhos

de sua semelhança enamorados,

melhor comer um resto de pão tóxico,

o adultério consumado entre cinzas,

os amores ferozes, o delírio,

a hera peçonhenta, o sodomita

que na lapela leva como cravo

uma cuspida, melhor ser lanhado

pelas praças que dar voltas à nora

que bem expressa a substância da vida,

a eternidade muda em horas ocas,

os minutos são cárceres, o tempo

são moedas de cobre, merda abstrata;

melhor a castidade, flor invisível

que talhada se agita no silêncio,

o diamante difícil dos santos

que filtra os desejos, sacia o tempo,

núpcias de quietude e movimento,

canta a solidão em sua corola,

pétala de cristal é cada hora,

o mundo das máscaras se despoja

e em seu centro, vibrante transparência,

o que chamamos Deus, o ser sem nome,

contempla-se no nada, o ser sem rosto

emerge de si mesmo, sol de sóis,

plenitude de essências e de nomes;

sigo meu desvario, quartos, ruas,

caminho a cegas pelos corredores

do tempo e subo e desço seus degraus,

suas paredes toco e não me movo,

volto onde comecei, busco teu rosto,

caminho pelas ruas de mim mesmo

sob um sol sem idade, e tu a meu lado

caminhas e me falas como um rio,

como uma espiga entre minhas mãos cresces,

como um esquilo entre minhas mãos ardes,

como mil pássaros voas, teu riso

cobriu-me de espumas, tua cabeça

é um astro pequeno entre minhas mãos,

o mundo reverdece se sorris

comendo uma laranja,

muda o mundo

se dois, vertiginosos e enlaçados,

caem sobre a grama: abaixa-se o céu

e as árvores ascendem, o espaço

só é luz e silêncio, só espaço

aberto para as águias dos olhos,

a tribo lívida das nuvens passa,

amarras rompe o corpo, a alma zarpa,

perdemos nosso nome e flutuamos

à deriva soltos entre verde e azul,

tempo total onde nada acontece

afora seu transcurso afortunado,.........

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