OCTAVIO PAZ –
Pedra de Sol
Amar é combater,
se dois se beijam
o mundo é outro,
encarnam-se os desejos
o pensamento
encarna, brotam asas
no torso curvo de
um escravo, o mundo
é real, tangível,
o vinho é vinho,
o pão volta a ter
gosto, a água é água,
amar é combater,
é abrir portas,
deixar de ser
fantasma com um número
a uma prisão
perpétua condenado
por um amo sem
rosto;
o mundo é outro
se dois se olham
e se reconhecem,
amar é
desnudar-se sem os nomes:
“quero ser tua
puta”, são palavras
de Heloísa, mas
às leis ele cedeu,
tomou-a por
esposa e como prêmio
castraram-no
depois;
melhor o crime,
os amantes
suicidas, o incesto
dos irmãos que
eram como dois espelhos
de sua semelhança
enamorados,
melhor comer um
resto de pão tóxico,
o adultério
consumado entre cinzas,
os amores
ferozes, o delírio,
a hera
peçonhenta, o sodomita
que na lapela
leva como cravo
uma cuspida,
melhor ser lanhado
pelas praças que
dar voltas à nora
que bem expressa
a substância da vida,
a eternidade muda
em horas ocas,
os minutos são
cárceres, o tempo
são moedas de
cobre, merda abstrata;
melhor a
castidade, flor invisível
que talhada se
agita no silêncio,
o diamante
difícil dos santos
que filtra os desejos,
sacia o tempo,
núpcias de
quietude e movimento,
canta a solidão
em sua corola,
pétala de cristal
é cada hora,
o mundo das
máscaras se despoja
e em seu centro,
vibrante transparência,
o que chamamos
Deus, o ser sem nome,
contempla-se no
nada, o ser sem rosto
emerge de si
mesmo, sol de sóis,
plenitude de
essências e de nomes;
sigo meu
desvario, quartos, ruas,
caminho a cegas
pelos corredores
do tempo e subo e
desço seus degraus,
suas paredes toco
e não me movo,
volto onde
comecei, busco teu rosto,
caminho pelas
ruas de mim mesmo
sob um sol sem
idade, e tu a meu lado
caminhas e me
falas como um rio,
como uma espiga
entre minhas mãos cresces,
como um esquilo
entre minhas mãos ardes,
como mil pássaros
voas, teu riso
cobriu-me de
espumas, tua cabeça
é um astro
pequeno entre minhas mãos,
o mundo reverdece
se sorris
comendo uma
laranja,
muda o mundo
se dois,
vertiginosos e enlaçados,
caem sobre a
grama: abaixa-se o céu
e as árvores
ascendem, o espaço
só é luz e
silêncio, só espaço
aberto para as
águias dos olhos,
a tribo lívida
das nuvens passa,
amarras rompe o
corpo, a alma zarpa,
perdemos nosso
nome e flutuamos
à deriva soltos
entre verde e azul,
tempo total onde
nada acontece
afora seu
transcurso afortunado,.........
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